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Instrutor Tóxico: Porque uma maçã podre estraga o cesto inteiro

May 20, 2025

Muitas vezes falamos sobre segurança no mergulho em termos de equipamentos, procedimentos e normas. Mas aqui está a verdade incômoda: geralmente, as maiores ameaças à segurança do mergulho não vêm daí — elas vêm dos mergulhadores, às vezes na forma de má liderança.

Deixe-me compartilhar uma situação real que aconteceu em um resort de mergulho. É um exemplo clássico de como uma má liderança e a falta de segurança psicológica e de uma cultura justa podem transformar até mesmo os instrutores mais experientes em riscos à segurança — e como ignorar sinais de alerta pode custar a uma operação de mergulho sua equipe, sua reputação e a segurança dos clientes.

O cenário: uma equipe de profissionais sob pressão

Uma instrutora experiente (vamos chamá-la de Mary) conseguiu o que parecia ser o emprego dos sonhos em um resort de mergulho paradisíaco em uma ilha: um hotel lindo, instrutores experientes, cada um com milhares de mergulhos em seu currículo, e uma equipe treinada. Eles eram inteligentes, confiantes e profundamente comprometidos com seus alunos e hóspedes.

Quando ela chegou, o gerente da loja de mergulho estava de férias e o instrutor sênior assumiu a responsabilidade de apresentá-la ao resto da equipe e aos padrões, procedimentos e formas de trabalhar. Ele ficou com ela a maior parte do tempo, apoiando-a e ajudando-a em suas tarefas até que ela se sentisse confortável.

Após duas semanas, o que começou como um emprego dos sonhos rapidamente se transformou em um pesadelo quando o gerente do centro de mergulho voltou das férias. O comportamento da equipe mudou da noite para o dia — os instrutores pararam de tomar iniciativa e a equipe evitava o gerente completamente. Em seu primeiro dia com ele, Mary foi humilhada e designada para os clientes mais difíceis, tudo através de gritos do gerente de seu escritório e na frente dos hóspedes.

Ficou claro que esse tipo de abuso verbal era rotina. Quando Mary perguntou à outra instrutora sobre isso, a resposta foi sombria: “Ele é assim mesmo. O último instrutor que se opôs foi demitido. Ainda não saí porque não tenho para onde ir”.

As coisas pioraram. O gerente começou a “supervisionar” Mary diariamente no barco — aproveitando a oportunidade para fazer contato físico repetido e indesejado. O mesmo estava acontecendo com a outra instrutora. Mary o confrontou diretamente o gerente, mas ele a ignorou, dizendo: “Este é o meu negócio, eu faço do meu jeito”.

Quando ela relatou o fato ao gerente geral, ele admitiu que outras pessoas já haviam reclamado, mas pediu que ela “desse um tempo”. Enquanto isso, o assédio piorou. Mary e sua colega evitavam o gerente o máximo possível, chegando a dividir um quarto por segurança.

O estresse afetou o estado emocional delas e o que começou como um problema para as instrutoras se tornou uma questão de segurança para os hóspedes. Os erros se acumularam: tanques vazios, equipamentos esquecidos, hóspedes entrando na água com os cilindros fechados, briefings apressados. Os hóspedes perceberam. O feedback foi péssimo. Por fim, Mary se cansou e pediu demissão — e ajudou sua colega a fazer o mesmo. Em um mês, o centro de mergulho ficou com falta de pessoal e sobrecarregado.

Só então o gerente geral agiu. O gerente foi discretamente transferido para outro resort da mesma rede e o instrutor sênior foi promovido. Mas o estrago já estava feito — levou meses para recuperar a operação e, nesse meio tempo, o resort acumulou críticas negativas nas redes sociais.

O que aconteceu e o papel da liderança

Em qualquer organização, os líderes são responsáveis por promover a segurança psicológica e uma cultura justa. Isso não é luxo, é necessidade.

A segurança psicológica é a base do trabalho em equipe e do desempenho eficaz. Não se trata de ser gentil, mas de criar um espaço onde as pessoas se sintam à vontade para se expressar, admitir erros e pedir ajuda. Quando esse ambiente não existe — especialmente em áreas de alto risco como o mergulho —, o estresse aumenta, a confiança diminui e as pessoas se fecham.

E foi exatamente isso que aconteceu. Todos os três instrutores começaram a cometer erros — não grandes, dramáticos, mas pequenos erros que nunca teriam cometido em circunstâncias normais. Eles duvidavam de si mesmos. Hesitavam. Perderam a confiança. Chegaram até a se sentir inseguros ao liderar mergulhos. Os clientes e a equipe perceberam isso.

O estresse não é apenas um sentimento. É uma carga cognitiva. Ele corrói a capacidade do cérebro de processar informações, antecipar riscos e tomar decisões rápidas e claras. E quando esse estresse vem do seu próprio líder de equipe? É ainda pior.

Eles relataram a situação ao gerente geral do resort — e nada aconteceu. Os problemas não foram resolvidos e o gerente não foi responsabilizado por suas ações, pois não existia uma cultura justa na organização. O comportamento tóxico continuou. O moral entrou em colapso.

O alerta para a liderança chegou tarde demais

Um por um, em poucas semanas, dois dos instrutores e uma parte importante da equipe pediram demissão e se mudaram para outros centros de mergulho.

Só quando restou apenas um instrutor — repentinamente responsável por todos os mergulhadores do resort — é que o gerente geral agiu. O gerente foi retirado do cargo de liderança e o instrutor restante foi promovido.

Problema resolvido? Não exatamente. Em vez de demitir o gerente tóxico, a empresa o transferiu para outro resort próximo — e, surpresa, os mesmos problemas começaram a parecer lá também.

As lições por trás disso

Esta não é apenas uma história sobre um chefe ruim. É uma lição sobre como a liderança, a cultura e os fatores humanos se cruzam — e como ignorar os sinais de alerta pode criar uma bola de neve que leva ao fracasso operacional e a riscos de segurança.

Aqui está o que podemos aprender:

  • Um líder tóxico pode degradar o desempenho até mesmo dos melhores profissionais — e rapidamente.
  • A segurança psicológica e a cultura justa são ferramentas de segurança, não regalias. Sem elas, as taxas de erro aumentam e a confiança diminui.
  • As organizações precisam de responsabilidade, não de planos de realocação. Transferir líderes tóxicos para outro lugar é como tapar um buraco em um navio com fita adesiva.
  • É importante ouvir desde o início. Se o gerente geral tivesse agido logo após o primeiro relato, a equipe ainda poderia estar unida e os mergulhadores estariam sendo mais bem atendidos.

Se você dirige ou gerencia uma operação de mergulho, ou se faz parte de uma equipe, lembre-se de que liderança não tem a ver com hierarquia. É algo que se constrói, não apenas um título. Requer habilidades específicas, especialmente as não técnicas. Algumas pessoas são líderes naturais, outras aprendem e aplicam as habilidades necessárias, e outras podem nunca ser boas líderes.

Infelizmente, na indústria do mergulho, ainda temos cursos de “liderança” que não ensinam habilidades de liderança aos instrutores. Você verá casos como esse em todo o mundo e tudo isso faz parte de uma cultura que precisa mudar se quisermos ter um mergulho melhor e mais seguro.

Todo mergulhador pode fazer algo para mudar isso. Mais cedo ou mais tarde, todos nós acabamos assumindo uma função de liderança, mesmo que seja por algumas horas. Se você é um líder em uma organização de mergulho, ser um líder melhor fará com que você se destaque na multidão e seus clientes perceberão isso. Se você ainda não é um líder, estar preparado lhe dará uma chance maior de sucesso quando você precisar assumir como líder.

Lá embaixo, a 30 metros abaixo da superfície, você não sobe ao nível de suas certificações. Você afunda ao nível do seu treinamento — e da cultura da sua equipe. Seja melhor do que ontem, investindo em você mesmo e em sua equipe quando se trata de desenvolver suas habilidades de liderança.

 


Pedro Paulo “PP” Cunha é formado em engenharia naval e trabalha há mais de 35 anos na gestão de operações de TI de missão crítica em grandes instituições financeiras. Ele mergulha desde 1983, é fotógrafo e mergulhador técnico CCR. É instrutor desde 1986 e foi um dos primeiros instrutores de mergulho técnico certificados no Brasil (1995).

Em 2020, começou a aprender sobre Fatores Humanos e Habilidades Não Técnicas no Mergulho com Gareth Lock, ficando fascinado pelo assunto e continuando seus estudos até se formar como instrutor pela The Human Diver em 2023. Desde então, tem ministrado cursos e seminários no Brasil e no exterior sobre o tema, com o objetivo de promover a segurança e o aprendizado no mergulho por meio de incidentes e acidentes, além de oferecer treinamento em campo para empresas envolvidas em atividades de alto risco.

Se você deseja aprofundar sua experiência em mergulho, considere dar o primeiro passo no desenvolvimento de seu conhecimento e conscientização participando do curso Essentials of HF for Divers aqui website. Se você está curioso e deseja receber o boletim informativo semanal, inscreva-se aqui e selecione “Newsletter” nas opções.

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