Melhores Dicas para Mergulhadores Iniciantes: Segurança Psicológica e Cultura Justa

Um estranho no grupo

Era o primeiro mergulho de Paul em um novo local. Seu companheiro habitual ficou doente e não pôde acompanhá-lo, mas Paul decidiu ir mesmo assim, pois já havia pago pela viagem. Ele chegou cedo, embarcou e montou seu equipamento; os outros sete mergulhadores chegaram juntos alguns minutos depois e fizeram o mesmo, conversando entre si o tempo todo – ficou claro para Paul que esse grupo mergulhava muito junto e estava familiarizado com o barco e o local.

No caminho para o local do mergulho, o capitão perguntou quem eram as duplas de mergulho, e como Paul não tinha um dupla, John, um instrutor do grupo, ofereceu-se para mergulhar com ele. John parecia muito experiente, mas continuava a conversar apenas com o seu próprio grupo. Paul tinha algumas perguntas sobre o mergulho, mas não se sentia à vontade para interromper John.

Depois que o barco foi amarrado à poita no local do mergulho, o capitão começou a dar instruções, mas foi imediatamente interrompido por um dos membros do grupo, que disse: “Capitão, não queremos ouvir sua história sobre este local pela centésima vez! Todos nós já estivemos aqui antes!” Paul tentou interromper para fazer suas perguntas, mas o capitão virou as costas e disse: “Você está certo, todos vocês já estiveram aqui muitas vezes”.

John se aproximou de Paul, verificou rapidamente seu equipamento e decidiu que estavam prontos para mergulhar. Paul disse a ele que não estava familiarizado com o local e os procedimentos do barco, mas John respondeu: “Não se preocupe, o mergulho é fácil e mergulhamos como em qualquer outro lugar, não há nada diferente. Vamos lá, porque estamos perdendo um tempo precioso de mergulho”. Com medo de atrasar John ou o resto do grupo, Paul ficou quieto e pulou na água.

O grupo iniciou o mergulho a favor da correnteza (o que Paul achou estranho, mas não disse nada), seguindo naquela direção por cerca de 20 minutos e depois voltou contra a correnteza para retornar ao barco. Após alguns minutos, Paul sentiu que estava ficando para trás e começou a nadar mais intensamente. John estava na frente, liderando o caminho. Paul viu seu suprimento de ar diminuir com o esforço e não conseguiu se juntar ao grupo, decidindo subir sozinho alguns minutos depois.

Ele não tinha um sinalizador de superfície e eles não tinham discutido nenhum protocolo de separação de companheiros, mas, felizmente, o barco já estava à vista, o capitão foi buscá-lo em um bote inflável, e tudo ficou bem.

Mas este mergulho poderia ter terminado de uma forma muito piuor. Por que isso aconteceu? Por que Paul não fez suas perguntas antes do mergulho?

Por que Paul não fez suas perguntas antes do mergulho?

Há algumas semanas, publicamos um blog sobre fatores que influenciam o desempenho, onde discutimos como fatores externos podem influenciar seu desempenho. O que vemos na história de Paul é um pouco diferente.

Fazer parte de uma equipe é mais do que ser membro de um grupo. Em uma equipe, é preciso ser capaz de fazer perguntas, expressar preocupações, dar más notícias e assumir outros riscos interpessoais sem medo de ser humilhado ou sofrer consequências negativas. Isso não é algo que se “estabelece” em um grupo, mas algo que se constrói com tempo e propósito. É chamado de Segurança Psicológica.

Junto com a segurança psicológica, equipes de alto desempenho compartilham outra característica chamada Cultura Justa, na qual os membros são incentivados a admitir e relatar erros sem medo de punição, ao mesmo tempo em que os indivíduos são responsabilizados por suas ações, especialmente aquelas que negligenciam procedimentos estabelecidos ou causam danos.

No exemplo de Paul, ele não se manifestou porque tinha medo de ser ridicularizado ou até mesmo excluído do grupo, pois sentia que não fazia parte dele e não se sentia confiante para interromper, fazer perguntas e contestar decisões, como a de começar o mergulho a favor da correnteza.

Dicas práticas – Fazendo parte de um ambiente psicologicamente seguro

Mas como você pode ajudar a construir um ambiente psicologicamente seguro e a ter uma cultura justa em sua equipe de mergulho? Aqui estão algumas coisas que você pode fazer.

• Compartilhe seus fracassos – Você se perdeu enquanto explorava um novo naufrágio? Compartilhe isso com sua equipe após o mergulho. Ao compartilhar seus fracassos com sua equipe, você está mostrando a eles que, como qualquer ser humano, você pode cometer erros. Isso ajuda outras pessoas a se abrirem, especialmente quando você está em uma posição de liderança.
• Peça feedback – Você pode achar que fez tudo certo no seu mergulho, mas seu companheiro pode ter percebido coisas que você não percebeu. Quando você pede feedback explicitamente à sua equipe (O que fiz bem? O que posso melhorar?), você está mostrando à equipe que está disposto a aprender e aceitar críticas. E, por favor, ouça ativamente o feedback, analise e mude o que for necessário em seu comportamento!
• Substitua a culpa e a crítica pela curiosidade – Quando algo der errado, não tente culpar um membro da equipe ou começar a criticar seu desempenho. As pessoas geralmente não cometem erros porque querem. Em vez de dizer “nos separamos porque Paul demorou muito para entrar na água”, comece perguntando “por que nos separamos? Como podemos evitar isso no futuro?”, sem acusar, mas tentando entender as circunstâncias que levaram ao problema.
• Evite confrontos – As equipes são construídas com base na confiança e na colaboração; confrontos geralmente não ajudam. Tente uma abordagem colaborativa, como “Como podemos fazer melhor da próxima vez?” Mas esteja ciente de que isso não significa que você não possa ser direto e assertivo com seus colegas de equipe; há situações em que você deve confrontar pessoas que violam as regras da equipe propositalmente ou são negligentes.
• Apoie aqueles que se abrem e reprimem comportamentos tóxicos – Ao apoiar abertamente aqueles que se abrem e/ou compartilham seus erros, você está incentivando essa pessoa a continuar fazendo isso e os outros a fazerem o mesmo. Mas se você tem alguém no grupo que critica desnecessariamente outra pessoa, despreza o feedback ou desrespeita alguém, você deve neutralizar esse comportamento tóxico antes que ele contamine a equipe.

Conclusão

A segurança psicológica e a cultura justa são a base das equipes que aprendem. Sem elas, os membros da equipe podem não aprender com seus fracassos e sucessos, e o trabalho em equipe será prejudicado.

Se você quer liderar ou fazer parte de uma equipe de alto desempenho no mergulho, comece criando um ambiente onde todos possam se expressar e compartilhar opiniões. Ajude a equipe a procurar as verdadeiras razões por trás dos resultados indesejados, evitando atribuir culpa e punição. Ao fazer isso, você estará ajudando todos a se tornarem mergulhadores melhores.

Pedro Paulo “PP” Cunha é formado em engenharia naval e trabalha há mais de 35 anos na gestão de operações de TI de missão crítica em grandes instituições financeiras. Ele mergulha desde 1983, é fotógrafo e mergulhador técnico CCR. É instrutor desde 1986 e foi um dos primeiros instrutores de mergulho técnico certificados no Brasil (1995).

Em 2020, começou a aprender sobre Fatores Humanos e Habilidades Não Técnicas no Mergulho com Gareth Lock, ficando fascinado pelo assunto e continuando seus estudos até se formar como instrutor pela The Human Diver em 2023. Desde então, tem ministrado cursos e seminários no Brasil e no exterior sobre o tema, com o objetivo de promover a segurança e o aprendizado no mergulho por meio de incidentes e acidentes, além de oferecer treinamento em campo para empresas envolvidas em atividades de alto risco.

Se você deseja aprofundar sua experiência em mergulho, considere dar o primeiro passo no desenvolvimento de seu conhecimento e conscientização participando do curso Essentials of HF for Divers aqui website. Se você está curioso e deseja receber o boletim informativo semanal, inscreva-se aqui e selecione “Newsletter” nas opções