Fatores Humanos no Mergulho para Leigos - Parte 2: ‘Erro Humano’: Por que temos que ir mais a fundo

- portuguese brazilian gareth lock human error pedro paulo cunha Apr 30, 2023

O problema que temos quando chamamos algo de "erro humano" é que é um termo genérico que podemos usar para descrever tudo o que achamos que está errado, mas o termo não nos ajuda a aprender. Claro, o mergulhador, o instrutor, o capitão ou o gerente do centro de mergulho fizeram algo que não acabou como esperado, mas a menos que saibamos o que estava acontecendo no momento e imediatamente antes, como podemos impedir que isso aconteça novamente?

Dizer coisas como "preste mais atenção", "você precisa ter maior consciência", "não esqueça suas nadadeiras na próxima vez", "seja mais claro em sua comunicação" ou "certifique-se de não se apressar e tome seu tempo" pode parecer útil porque parece corrigir o que deu errado, mas não leva em conta o que estava acontecendo na época e, portanto, a aprendizagem raramente ocorre.

Podemos facilmente descrever exemplos de erros, mas o que é uma boa definição? Que tal "um resultado não intencional de um comportamento preferido" ou simplesmente "algo que não tínhamos a intenção de fazer". Discutiremos a parte do "comportamento preferido" no final deste blog, pois isso é importante.


O Professor James Reason, conhecido pelo Modelo de Queijo Suíço, percebeu que em um dia na década de 1970 enquanto preparava a comida do gato, quase colocou comida de gato na garrafa térmica que estava ao lado da tigela do gato e pronta para ele adicionar água quente. Ele pensou sobre o motivo disso ter acontecido, especialmente porque percebeu que esse tipo de problema ocorria em indústrias de alto risco com consequências muito maiores do que uma xícara de chá estragada!

Reason criou três grupos de tipos de erros e um quarto grupo especial chamado violações. Os erros e violações foram divididos em ações não intencionais e intencionais.


Ações não intencionais

  • Deslizes. Estes foram falhas de atenção. Pode ser que alguém ou algo tenha causado uma distração que levou à realização da coisa errada ou a algo ser esquecido, ou houve uma inversão ou ordem incorreta em uma sequência, por exemplo, um mergulhador prende a mangueira do inflador da roupa seca sobre a mangueira longa e, no processo, a mangueira longa fica presa, impedindo que ela seja usada em uma emergência.

Para reduzir os deslizes, precisamos mudar o ambiente para reduzir distrações.

  • Lapsos. Estes estão relacionados a falhas de memória ou lembrança. O operador pode esquecer um item planejado, pode perder o seu lugar em uma sequência ou esquecer o que deveria fazer, por exemplo, a equipe de mergulhadores está fazendo suas verificações finais e o auxiliar de convés faz uma pergunta sobre o tempo de fundo e descompressão planejados. Enquanto responde, a equipe perde o controle de seu progresso e deixa passar um item crítico que causa um problema na água. O uso de listas de verificação (checklists) pode ajudar a evitar lapsos e deslizes se forem realizadas corretamente, caso contrário, podem aumentar esses tipos de erros. Se uma verificação for interrompida, ela é reiniciada do início para garantir que nada tenha sido esquecido.


Ações Intencionais


Essas ações são divididas em duas categorias: baseadas em regras e baseadas em conhecimento. Erros baseados em regras são quando o operador aplica uma regra ruim, por exemplo, utilizando ensinamentos incorretos para calcular a quantidade de gás necessária para uma subida, e acaba ficando sem gás em uma subida compartilhando gás, ou quando ele aplica uma regra boa de maneira errada, como acreditar que seu consumo de gás em profundidade é de 20 bar a cada 5 minutos, mas ele está usando cilindros menores do que o normal, e acaba ficando sem gás porque não percebeu a taxa de consumo mais rápida. Erros baseados em conhecimento são quando o mergulhador acredita que está fazendo a coisa certa, mas é a coisa errada, como iniciar o retorno no tempo de fundo planejado sem reconhecer que a corrente ficou mais forte e que agora está muito mais longe do ponto de partida e não pode fazer a subida pelo cabo da âncora e precisa fazer uma subida livre.

Erros podem ser reduzidos com a elaboração de um plano de mergulho eficaz e, em seguida, uma explicação detalhada com perguntas abertas para verificar o entendimento. A análise pós-mergulho também identifica onde as regras ou o conhecimento não correspondiam necessariamente ao que aconteceu no mergulho, para que o conhecimento e as regras possam ser aprimorados na próxima vez.


Violações


Essas são quando parece que uma regra foi quebrada de propósito. Pode ser por causa de uma emergência ou evento incomum, por exemplo, descendo abaixo da profundidade operacional máxima (PMO) do gás para resgatar outro mergulhador ou violações rotineiras, por exemplo, estar na superfície com 50 bar, mas a regra geral se tornou 25-30 bar para que os mergulhadores possam aproveitar ao máximo o tempo de fundo no recife. Um tipo especial de violação é chamado de sabotagem, onde há uma intenção genuína de danificar algo - felizmente, isso acontece muito raramente.

Observe que, desde que Reason colocou as violações sob o tópico de 'ação intencional', a comunidade de segurança científica reconheceu que as violações rotineiras muitas vezes são sinais de fraquezas organizacionais, como falta de controle de qualidade, falta de feedback, materiais de treinamento ruins, briefing deficiente e normalização da deviação.


Abordando "erros" para melhorar desempenho e segurança


Se uma investigação termina com "erro humano", esta é uma oportunidade para começar a analisar que tipo de erros ocorreram. Provavelmente você descobrirá que muitos deles acontecem quando algo dá errado. Para onde estava voltada a atenção do mergulhador? O que os distraiu? Por quê? Eles tinham uma boa compreensão da tarefa em questão? Se não, por quê? O treinamento deles estava incompleto? O briefing foi ruim? Eles fizeram algumas suposições falhas sobre esse mergulho e não as verificaram? Era a norma que as pessoas se desviassem dos padrões? Somos seres sociais e, portanto, é mais difícil conformar-se com as regras do que com a norma social.

Este último ponto remete à primeira definição de erro: uma ação pretendida. O que achamos que deveríamos estar fazendo nem sempre é o mesmo que o resto da equipe ou organização acha que deveria estar acontecendo. Isso é o que queremos dizer com "comportamento preferido". Se os padrões e comportamentos estiverem alinhados, ótimo! Lembre-se de que acidentes e incidentes acontecem como desvios do que normalmente é feito, não apenas desvios das regras.

O próximo blog da série Fatores Humanos no Mergulho para Leigos abordará o que é uma cultura justa e por que precisamos dela se quisermos aprender com os diferentes tipos de erros e violações que ocorrem o tempo todo.


Exemplo


Um instrutor de trimix avançado em circuito aberto e de circuito fechado (rebreather) estava guiando um convidado em um recife no Mar Vermelho. O primeiro mergulho foi relativamente curto, o que significava que o gás consumido em seus cilindros duplos era menor do que o esperado, e assim a recarga planejada de ar para trazer a mistura de 28% para 25% não ocorreu. O instrutor estava ocupado ajudando o convidado e nunca conduziu um briefing para o segundo mergulho planejado para 55m. Porque os cilindros não foram completados com ar como previsto, o instrutor acabou com uma pO2 de 1,82 atm a 55m porque ainda tinha 28% em seus cilindros. Felizmente, eles não tiveram problemas. Eles só perceberam a gravidade do evento depois do mergulho. Você pode ler a história completa aqui. Esta história contém uma série de deslizes, lapsos e erros, e também poderia incluir uma violação não intencional. Colocá-los todos no balde de 'erro humano' ou 'complacência' não ajuda no aprendizado. No entanto, se olharmos para as condições produtoras de erro, é mais provável que reduzamos a probabilidade de que isso aconteça novamente.


Resumo


O termo "erro humano" é amplamente utilizado para descrever a razão pela qual algo deu errado. No entanto, ele não ajuda no aprendizado porque apenas diz o que aconteceu e não como fazia sentido para o mergulhador fazer aquilo que levou a um resultado não intencional. Se você ler "erro humano" ou "erro do mergulhador" como a causa, essa é sua oportunidade de ir mais a fundo para entender "como fazia sentido para o mergulhador fazer o que ele fez".
Leitura adicional: Skybrary – Human Error Types. Esta página também contém alguns números interessantes no final sobre a frequência de erros e a probabilidade de que eles sejam detectados antes que algo ruim aconteça.

 


Gareth Lock é o proprietário da The Human Diver, uma empresa de nicho focada na educação e no desenvolvimento de mergulhadores, instrutores e times de alta performance. Se você quer aprofundar sua experiência no mergulho, considere fazer o curso introdutório on-line que irá mudar sua atitude no mergulho porque segurança é a sua percepção, visite o website.